..:: Abade R. Fatia ::..

e tantas vezes aqui deitado a olhar para o tecto, à espera. Sempre à espera... oiço passados, faço planos envenenado em pensamento, vejo luzes, como árvores, penso em ti, sinto-me alguém na minha cama. A mente é um lugar aleatório

sábado, janeiro 20, 2007

Testemunho solar

O motor falhou em pleno espaço infinito.
Desta vez não há fuga.
Comandantes do destino à deriva,
Vêmo-lo precipitar-se para um abismo cuneiforme
Como areia de ampulheta que se esgueira desigual
E sedimenta o tempo lá em baixo, num monte de calcite.

Areia em queda livre.
Em pleno espaço infinito não há o que a faça cair.
A menos que nós comandantes, donos de um corpo com massa,
Senhores das equações,
Lhe concedamos a fantasia de nos obedecer.

Dedicado a José Cid e à sua "Fuga Para o Espaço".

domingo, janeiro 14, 2007

Click


Esta é a melhor fotografia que alguma vez me foi tirada.
De todas as milhares, ao longo dos séculos, esta destaca-se pela genialidade.
É um disparo magnífico que me põe a pensar se a Fotografia não será uma ciência exacta.
Aqui estou eu, tão eu, que não me conhecia assim. O auge da minha imperfeição.
Apanhaste-me.
Parece tirada a bisturi.
Chegaste e cortaste uma fina camada da realidade, demasiado fina para que não me doesse, mas suficientemente espessa para que a pudesses levar contigo e conservar no escuro. No calcário frio da tua caverna, porque eu sei que tens uma.
Olha como conseguiste fixar o instante e ainda assim manter o movimento do cabelo e da palavra que acabava de sair da boca para se juntar ao diálogo lá mais adiante, que por pouco não se vê.
Apanhaste-me pá.
A mim e ao meu ego descalço.
À minha personalidade difusa, de histórias incompletas.
Distraído e de costas voltadas a um mundo onde certamente seria uma pessoa melhor.
Obrigado Hugo.

sábado, janeiro 06, 2007

Rua da Alfazema I

Contextualização cénica

- Venho interromper alguma coisa? - pergunta o velho abade ao entrar no salão decorado com blusas gigantes de seda oriental e málmequeres violetas de estufa.

- Não interrompe nada, senhor Gilbert. Gustav e eu estavamos só a namoriscar um bocadinho; o jantar ainda demora... - retribui a jóvem Esther com um ginchinho estridente.

- Heh... coisas da juventude não é assim? Venho só buscar os meus chinelos de linho que aqui deixei ontém à mercê da lareira. Ruge um frio de outras eras. Oooh! – remata o ancião no meio de um sorriso creme pescado na costa sul da Nova Zelândia, abandonando o salão descalço.

- Assaz periclitante. – comenta Gustav antes de beber um vigoroso trago de gin.

Na cozinha, Oddet despachava os tachos e as panelas em três ápices enquanto ia bebericando, às escondidas, um resto do whisky velho do seu patrão. Os oito bicos do fogão de esmalte temperado dinamarquês, alimentavam oito reacções químicas endotérmicas e irreversíveis que libertavam aromas de carne e mel com floreados de amêndoa, louro e jasmim.

Eça de Vian