..:: Abade R. Fatia ::..

e tantas vezes aqui deitado a olhar para o tecto, à espera. Sempre à espera... oiço passados, faço planos envenenado em pensamento, vejo luzes, como árvores, penso em ti, sinto-me alguém na minha cama. A mente é um lugar aleatório

quarta-feira, setembro 14, 2005

Myiu - chapter IV

- Mãe!
(silêncio)

- Mãe, tens alfinetes?
(silêncio)

- Mãe...
(silêncio)
...
- Diz filho! – ouve-se uma voz longínqua.

Myiu dirige-se à sala, onde a mãe está a passar a ferro.
A mãe de Myiu veste um avental rosa gasto, com a bainha a desfazer-se em alguns sítios.
Um avental de dona de casa. Prendera o cabelo com um elástico pequeno e coçado, para não atrapalhar a faxina.
A mãe de Myiu é simpática e suave.
Myiu vê-a engomar uma pequena t-shirt encarnada, com as suas iniciais estampadas, e o desenho de um pardal nas costas.
Lá atrás, roda, sem som, um filme solitário na televisão de pequenas dimensões.

- Mãe...tens alfinetes?
- Diz filhote!
- Tens alfinetes?
- Ai! Alfinetes!? Para quê? Não sei onde andam...
(pausa)
- Precisava de um alfinete.
- Para quê filho? Procura ali na caixa de costura.
Myiu detem-se um instante.
- Olha, passa aqui por trás da mãe, anda. Passa por aqui e vê ali ao fundo se está a caixa.
Do outro lado, Myiu procura pela caixa...
- Encontrei.

Retirou um alfinete da mini-caixa azul e rectangular, onde a mãe os guardava. Fechou-a, colocou-a onde estava e voltou para o quarto.
Sentou-se na cama, abriu um saco de compras de onde retirou um pacote de batatas fritas.
Fez-lhe um pequeno furo com o alfinete, perto do rebordo.
Gradualmente fez sair uma boa quantidade de ar de dentro do pacote. À medida que o fazia, cheirava o aroma das batatas, e salivava ao mesmo tempo.
Fez um esforço por não o abrir e devorar algumas.
Por fim guardou o pacote, agora com 2/3 do volume inicial, dentro da sua mochila, e correu o fexo ecláir.

sexta-feira, setembro 02, 2005

tetramorfose

Desenho as letras de um pássaro.
este não voa!
Deitou-se e adormeceu
ao som do arrasto do lápis
Nesta folha de papel.

O som da escrita é madeira seca
que é talhada por pequenos arrastares de grafite
Parece que estou a ouvir...
zhht...zhhzzzhht...zt...zhhzhht...

Aqui não há bater de asas!
O sonho não entra neste capítulo.
Apenas o pássaro (que é um pássaro horizontal)
de asas fechadas, rentes ao corpo
prontas a não abrir.

Um bater de asas é também seco,
mas a dois tempos
vshh-sssp! vshh-sssp! vshh-sssp!
E eles voam assim!

E executam círculos no ar
e outras formas abstractas...
Formas pouco geométricas
quase sem razão.
Voltas que se imaginam
de mente aberta e lápis na mão
quando o sonho não anda longe.

Daí que, distraído,
se entorne um pássaro numa folha de papel.