..:: Abade R. Fatia ::..

e tantas vezes aqui deitado a olhar para o tecto, à espera. Sempre à espera... oiço passados, faço planos envenenado em pensamento, vejo luzes, como árvores, penso em ti, sinto-me alguém na minha cama. A mente é um lugar aleatório

domingo, agosto 03, 2008

A uma moeda


Fria e tempestuosa a noite em que zarpei de Montevideu.
Ao dobrar o Cerro,
atirei do mais alto convés
uma moeda que brilhou e se afogou nas águas barrentas,
uma coisa de luz arrebatada pelo vento e pela treva.
Tive a sensação de ter cometido um acto irrevogável,
de acrescentar à história do planeta
duas séries incessantes, paralelas, talvez infinitas:
o meu destino, feito de soçobro, de amor e de vãs vicissitudes
e o daquele disco de metal
que as águas dariam ao suave abismo
ou aos remotos mares que ainda trituram
despojos dos saxões e dos viquingues.
A cada instante do meu sonho ou da minha vigília
corresponde outro da cega moeda.
Por vezes senti remorsos
e outras vezes inveja
de ti, que estás, como nós, no tempo e no seu labirinto
e que não sabes isso.

Jorge Luís Borges