..:: Abade R. Fatia ::..

e tantas vezes aqui deitado a olhar para o tecto, à espera. Sempre à espera... oiço passados, faço planos envenenado em pensamento, vejo luzes, como árvores, penso em ti, sinto-me alguém na minha cama. A mente é um lugar aleatório

segunda-feira, março 21, 2005

sentido único

Começo.
Ruas que se desmontam em plena luz fria de candeeiros à solta,
ladrões da escuridão.

Acolhem os mendigos de hoje, que um dia irão.
Todos partem,
mudam de casa e de vida
mudam de olhar
deitam-se e escurecem.

Ela ia para a escola no autocarro das sete e meia.
Todos os dias, no autocarro amarelo apinhado de gente.

Cheiram a canela. As ruas são de todos e estão sujas.
À noite gritam sem que as oiçamos.
As ruas!

Coleccionava dias num diário sem cor.
Era um diário morto.
Tinha um desenho colorido na última página, feito de pernas para o ar, desenhado pelo melhor amigo dela, hoje um candeeiro no caminho de casa.

Não fosse Outono, não haveria tapetes beges a dançar com o vento.
Os tapetes são de folhas arrancadas à força de um diário que morreu.

Todos os dias olhava pela janela do autocarro, e via lá fora as árvores derreterem à chuva. Era bonito. As árvores liquefaziam-se e pingavam para o chão, enquanto o autocarro lhes passava por cima sem se afundar.

ding dong... alguém quer sair.

É um velhote de bóina e bengala, um relógio atrasado. O autocarro afasta-se, e ela vê-o afundar-se suavamente no passeio, junto das árvores.

Rabisca qualquer coisa no diário sem cor.
Arranca a folha
O autocarro apaga-se.